27 de setembro de 2010

CONTRIBUIções

A guerrilha estadista de Fidel

 (*) Léo Alves


Aos 84 anos de idade, e após dois anos de afastamento do poder efetivo no comando do governo marxista-leninista de Cuba – por causa de doenças gastrointestinais -, Fidel Castro, que chefiou a revolução comunista naquela ilha caribenha em 1959, volta à cena política. O pano de fundo é
uma longa entrevista, por ele agendada, concedida, no final de agosto, a um jornalista norte-americano, Jefrey Goldberg, da revista Atlantic Magazine. Por que a encenação?, eis a pergunta. Simploriamente deduziria-se que Fidel, ao criticar antissemitismo, ‘puxar a orelha’ de Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, e entusiasmar-se ao falar sobre sua paixão por golfinhos, “animais muito inteligentes”, reiteradamente acentuado, está gagá. Mas não está. Leitura geopolítica do texto de duas páginas do caderno Ilustríssima, do jornal Folha de S. Paulo, do dia 12 (domingo), representa hábil tática de guerrilha midiática anti-americana e anti-conservadorismo judaico.
Fidel Castro, que segundo disse “depois de tudo o que vi, sabendo o que hoje sei” – referindo-se à proposta que fizera, em 1962, para que a então União Soviética fizesse ataque nuclear contra os EUA caso este invadisse Cuba -, está, como estadista internacional, sua atuação preferencial agora, inserindo uma atadura diplomática nos ímpetos guerreiros dos judeus tradicionalistas e dos norte-americanos republicanos belicistas, para alavancar conversações apaziguadoras entre Barak Obama (EUA) e Benjamin Netanyahu (Israel) com Mahmoud Ahmadinejad (Irã), personagens de uma possível guerra nuclear. Como o próprio jornalista escreveu, “o recado (de Fidel) é simples: Israel só terá segurança se abrir mão de seu arsenal nuclear, e as demais potências nucleares do mundo também estarão seguras caso abram mão dessas armas”. Em mensagem ao Irã, Fidel rebuscou em sua “história de infância” a lembrança de que o catolicismo, na comemoração da Sexta-Feira Santa, dizia que “os judeus mataram Deus”. E acrescenta: “O governo iraniano serviria melhor à causa da paz caso reconhecesse a história única do antissemitismo e tentasse compreender por que os israelenses temem por sua existência”. Se a linha não esticar, a conversa rola, Obama se fortalece, Netanyahu não enrijece e Ahmadinejad conclui os estoques de urânio.
E, por final, a impressão que o jornalista contraiu de Fidel Castro: “O corpo dele pode estar frágil, mas a mente permanece aguda; seu nível de energia é alto e no pós-poder exibe certo senso de humor auto-irônico”. Quem assessorou o repórter foi uma renomada especialista em assuntos cubanos e latino-americanos, Julia Sweig, do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos, que conhece o revolucionário há 20 anos e dele recebeu um beijo e acalorada boas-vindas. Será que Fidel Castro passou de ditador socialista para estadista ideológico?

 
(*) Léo Alves, 51, é jornalista aposentado por invalidez retinopática.

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